Doença de Chagas inspira nova droga
Cientistas do Instituto do Coração (Incor-USP) descobriram um aliado onde menos esperavam: uma proteína do Trypanosoma cruzi – agente causador da doença de Chagas – apresentou, em coelhos, ação protetora contra aterosclerose. Em humanos, a mesma substância demonstrou eficácia no tratamento de feridas ocasionadas por radioterapia. A ideia de isolar e utilizar a proteína nasceu de um dado da observação: pacientes chagásicos não costumam sofrer enfarte. A doença evolui cronicamente com o aumento do volume do coração e pode terminar em insuficiência cardíaca. Mas autópsias revelam vasos sanguíneos em invejável estado, sem resquícios de placas de colesterol.
O parasita utiliza a transialidase – nome da proteína que despertou o interesse dos cientistas – para roubar ácido siálico da membrana das células humanas. O tripanossoma necessita da substância para viver, mas não é capaz de produzi-la sozinho. No entanto, o ácido siálico da membrana das células humanas também costuma servir como um gancho molecular que bactérias utilizam para se prender à parede interna dos vasos. Os cientistas do Incor descobriram que as placas de colesterol estão muitas vezes associadas a colônias de micoplasmas – um gênero de bactérias – que contribuem para a complicação do quadro.
O tratamento com a transialidase em coelhos que ingeriram uma dieta rica em colesterol preservou os animais de problemas vasculares e regrediu danos nas artérias. Pesquisadores acreditam que a transialidase serviu para desprender as bactérias associadas à formação das placas.
Apesar dos resultados promissores em cardiologia, a substância começou a ser testada em humanos em um contexto diferente. “Descobrimos que ela também evita apoptose (morte) das células e atua como antiinflamatório”, aponta Maria de Lourdes Higuchi, diretora do Laboratório de Inflamação e Infecção do Incor e responsável pela pesquisa. “Decidimos testar em feridas causadas por radioterapia.”
O cardiologista José Antonio Ramires, do Incor, um dos apoiadores do estudo, recorda que não há tratamentos eficazes disponíveis no mercado para tratar lesões que costumam acompanhar as radioterapias.
A oncologista clínica Silvia Graziani, do Instituto do Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, concorda. Ela tem testado a solução desenvolvida por Lourdes em pessoas que recebem radioterapia no instituto. “Resultados preliminares mostram que o tempo de cicatrização das feridas cai de um mês a uma ou duas semanas”, aponta. As lesões obrigam muitos pacientes a abandonar o tratamento. A esperança é que o uso do medicamento – inclusive antes do surgimento da ferida – aumente a adesão e o sucesso.
Fonte: O Estado de São Paulo